sábado, 8 de janeiro de 2011


"[...] sem se possuir a si mesmo, jamais poderia possuir a outridade. E afinal, quem possuia a verdade? Quem é que tinha a perfeita consciência de si mesmo, da solidão absoluta que significa nem sequem contar com a própria companhia, que significa ter de entrar num cinema ou num bordel, ou em casa de amigos ou numa profissão absorvente ou no matrimônio para estar pelo menos só-entre-os-demais? Assim, paradoxalmente, o cúmulo da solidão conduzia ao cúmulo do gregarismo, à grande solidão das companhias alheias, ao homem só na sala de espelhos e ecos. Todavia, as pessoas como ele e tantas outras, que se aceitavam a si mesmos (ou que se repeliam, mas conhecendo-se de perto), entravam sempre no pior paradoxo, estar talvez à beira da outridade e não poder alcançá-la. A verdadeira outridade feita de delicados contatos, de maravilhosos ajustes com o mundo, não ser cumprida por um só lado: a mão estendida deveria receber outra mão, vinda de fora, vinda do outro."

Júlio Cortázar - O Jogo da Amarelinha (Vol.1)
SP: Abril Cultural, 1985 - p.116

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